serenidade.

28.1.08

agora lá fora está tudo meio nublado, meio coberto de neblina de um jeito que as coisas parecem muito mais...serenas. os carros passam lá no aterro, mas o movimento é bem distante, de um jeito que não perturba essa sensação de calma tão grande. pra completar, alguém toca saxofone, uma música doce e melancólica, lá no andar de cima. parece a trilha sonora que eu, mentalmente, escolhi para compor o momento. e essa espécie de proteção contra tudo que possa causar uma batida mais acelerada, descompassada do coração. agora tudo segue perfeitamente o compasso das notas do saxofone, da chuva fina e das palavras do homem que filmou o amor (eu lia um livro de cinema que falava sobre truffaut).

não queria pensar mais nada, sentir nada que fosse mais intenso que o delicado balançar dos barcos na baía de guanabara ou a leve subida do avião, que agora já se perde entre as nuvens - eu sempre fui fascinada por asas. mas há algo ainda inquieto: o saxofone vezenquando pára e os meus dedos criam ritmos nervosos ao baterem na mesa.

eu sei que agora sou toda presença em mim mesma, que nenhum vento balança os coqueiros que têm raízes profundas. mas há sempre partes mais frágeis, e as pontinhas das minhas folhas não conseguem se defender nem mesmo dessa brisa mansa (e de repente todo o cenário parece mais angustiado). há uma ausência.

o saxofone agora constata apenas a melancolia: esta solidão de se ouvir um som distante e quase mudo por não se ter quem ouvir mais perto. esse olhar constante para fora - ou para dentro de mim - pela falta de perspectiva de algo mais. a distância enorme daquilo que me falta; e ainda mais longe, desaparecendo sempre na brusca curva da pista do aterro. esse não estar: a presença transfigurada em ausência.

e, de repente, constatar o que falta se torna fácil como notar a ausência da vela nos barcos a frente; tornando qualquer espécie de movimento um tanto mais complicada. a música sempre me conduzindo: fecho os olhos e consigo enxergar a cena perfeitamente. ou sem qualquer perfeição, porque não seria preciso encontrar tanta serenidade do lado de fora caso ela já estivesse dentro.

a cena é a mesma, bem como minha busca por qualquer espécie de paz. mas a presença da ausência não mais esconde-se sob a neblina: consigo delinear perfeitamente todo o espaço - ou seria todo o estrago? - que há dentro de mim: truffaut o filmou, eu não posso viver sem ele; compassado, vezenquando em notas melancólicas, mas que, enfim, sempre restaure a serenidade aconchegante, que acabe com essa ausência insuportável.

(então suspiro, baixo, discreto. não ouso interromper a melodia do saxofone, nem, tampouco, a minha - quase serena - solidão.)

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