kiddo - o menino dos óculos invisíveis.

10.11.07

ele sai todos os dias na mesma hora, mas numa hora que nunca é a mesma, de tão diferentes que são as coisas que ele vê. e não falo do céu, do sol, do simples caminho que percorre. ele vê umas coisas extraordinárias, feito a árvore solitária, o pintor do céu, o lindo sorriso da menina que passa.

e ele acha que ninguém mais vê, que ninguém o vê. mas o menino se engana, inseguro – assim meio charlie brown – o menino não sabe da existência da minha varanda, dos meus óculos, das sete horas e vinte e três minutos. principalmente, não sabe da existência dos seus óculos.

provavelmente já se questionou sobre as coisas que só ele vê, provavelmente se sente um tanto solitário e, com certeza, não sabe que o centro de tudo está nos óculos. e me bastou uma primeira visão para imediatamente reconhecer. o menino possui aquele artefato que raros recebem, sem pedirem nem escolherem, e que lhes pode mudar a vida pelo tempo que usarem: os óculos invisíveis.

não é mesmo fácil descobrir, embora os indícios estejam espalhados por toda a literatura sonhadora – cortazar, por exemplo, nos chamava de cronópios – ou músicas doces, ninguém diz abertamente. talvez por medo de ser uma idéia inconcebível aos outros ou uma viagem própria e particular – costumamos ser um grupo que se acha muito solitário. Afinal, quem em sã consciência acreditaria que alguns possuem óculos invisíveis que colorem o seu campo de visão e mudam a perspectiva e, conseqüentemente, o sentimento contido em cada fato?

só mesmo as crianças. elas ainda têm a inocência e imaginação necessárias para enxergar os, como eu costumo chamá-los, óculos de sonhar e são curiosamente atraídas a sentir maior afeto por aqueles que os possuem; são sempre seus adultos (se é que, algum dia, chegamos a ser adultos) prediletos. quem sabe o menino já tenha reparado em como as crianças costumam direcionar bonitos sorrisos a ele.

mas nunca, nunca reparou na minha varanda, e na maneira como nossos óculos refletem a luz um do outro às sete horas e vinte e três minutos. nunca reparou que não está sozinho na sua infância que parece eterna, com todas as ilusões que deve ter. não sabe da quantidade de coisas que tenho para lhe dizer, ou de tantas e tantas outras que sonhei vivermos juntos – aqui, do alto do isolamento da minha varanda.

eu tenho vontade de descer, de lhe contar sobre os óculos, a varanda e tudo mais. contudo, há essa barreira que me impede, essa vergonha, esse medo de forçar um encontro que, planejado, nunca é ideal. o encontro, bem sei, seguramente vai acontecer, imprevisível, em algum dia próximo, enquanto não chega, aqui de cima observo o menino. e, com toda a força que minha fantasia pode ter, faço um único desejo: jamais perca seus lindos e invisíveis e coloridos óculos por aí, kiddo.

1 comentários:

Anônimo disse...

aquele desejo.

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