minhas pessoas.

12.9.08

um dia conheci uma menina pequenininha, de olhos puxadinhos e voz mais doce e baixinha do mundo, mas que era tão grande que eu achava que ela podia ser até super-heroína, se quisesse.

conheci uma menina tão colorida que era um arco-íris e eu tinha certeza de que só o jeito hiperativo e divertido dela já era, em si, o meu pote de ouro.

conheci um menino que tinha medo do mundo não entender suas nuvens coloridas, ainda que elas fossem as mais bonitas que eu já tinha visto.

conheci uma menina que se escondia debaixo de guarda-chuvas sem saber que, lá no céu, o sol mal podia esperar para brilhar sobre o talento dela.

conheci um menino que sabia ser perfeitamente capaz do que quisesse fazer, mas queria que o amassem mais do que tudo isso.

conheci uma menina cuja doçura do coração era ainda maior do que a de seus cachinhos.

conheci uma menina que era mágica e sabia voar, mas guardava segredo até dela mesma - e sentia um vazio enorme por causa disso.

conheci uma menina que vivia tão acostumada com sua tristeza que temia quando a felicidade vinha visitá-la.

conheci a menina mais eufórica do mundo por fora, mas que por dentro precisava muito que alguém lhe dissesse palavras doces.

conheci um menino que se envergonhava quando conseguiam ouvir as batidas do seu coração.

conheci uma menina apaixonada pelas pequenas coisas, mas que não conseguia ver que isso era recíproco e ficava triste, triste.

conheci uma menina que tanto precisava e merecia carinho que minha vontade era abraçá-la até que ela parasse, de vez, de ter medo da solidão.

conheci uma menina cuja sensibilidade ficava guardada numa gaveta pequenininha, mas muito especial, no meio de toda a sua segurança.

conheci um menino que era o meu espelho distante e fazia a saudade doer demais.

conheci uma menina que usava as palavras como se fossem brinquedos de montar e construía sempre lindos castelos.

conheci uma menina que guardou meu coração dentro do dela. e todo dia me fazia feliz por cuidar dele com tanto carinho.

conheci uma menina que tinha um brilho encantador nos olhos, dentro dos quais eu conseguia enxergar tanta força e beleza que eu torcia muito para que ela também conseguisse ver.


(a idéia original é da menina dos castelos, mas eu precisava muito dizer o jeitinho como as pessoas estão todas aqui, guardadas dentro de mim.)

de resempre.

11.9.08

e de repente me sentia protegido, você sabe como: a vida toda, esses pedacinhos desconexos, se armavam de outro jeito, fazendo sentido. e a gente entende tão bem desses pedacinhos desconexos, de pequenas - gigantes - revelações no ônibus, em restaurantes ou bancos públicos onde, subitamente, o passado, outrora terrível, acalma-se como uma criança a ouvir a mais doce canção de ninar.

sempre, sempre me surpreende a forma como os nossos pedacinhos caminharam, desde muito cedo, a um encontro, ao eufórico momento em que pudessem, por fim, se encaixar perfeitamente aos compreensivos pedacinhos de outra pessoa. exata. mas, ainda assim, guardando o silêncio, pois sempre fomos do tipo de pessoa que fala baixinho e não acredita facilmente na própria felicidade.

quando ela se faz tão presente a ponto de tomar nossos corpos numa dança inquietante é que notamos: de repente, somos felizes. nesse encaixe tão perfeito em que minha única vontade&sentido é existir para você. com você. existir em você, como muitas vezes eu sinto, num desses momentos de euforia, sem, no entanto, notar a dimensão que
tomamos em mais de um ano de vida.

é que o amor não está só nesses de repentes, meu bem. muito além, ele esteve - e está - em cada um dos dias que prepararam nossas pequenas partes desconexas; em cada timidez, nas nossas brigas tão apaixonadas que nunca nos separaram e, sobretudo, em cada pequeno sorriso que damos ao pensar em um toque, um cheiro, uma respiração. tudo o que parece ser pequeno, mas, assim como nós, é infinito - em todo e qualquer momento.

porque você se atemporalizou em mim. você é meu passado presente futuro; a presença que veio mesmo antes de imaginar estar presente, assim, tão de repente. só com você tenho essa certeza gratificante de estar viva, ainda que, algumas vezes, falando silenciosamente ou temendo qualquer ruído além da batida compassada de nossos corações. de maneira tão precisa que torna impossível qualquer dúvida, mesmo que só nos demos conta em dias excessivamente cinzas ou coloridos, os nossos pedacinhos, meu amor, nunca nos deixam esquecer. sempre aquela espécie de porto.

(...)

7.9.08

estoy tan solo como este gato, y mucho más solo porque lo sé y él no.

cortázar.

um pequeno sol particular.

5.9.08

eu poderia ter permanecido sentada naquela mesma posição por quinze minutos ou treze horas. era difícil dizer, pois a espera geralmente se conta do momento em que é finalizada. a minha: nunca. eu estive lá por todo aquele tempo, fosse ele longo, curto ou mesmo inexistente. é mesmo possível que assim fosse, inexistente. também aquela cidade, aquele banco e aquela última tentativa frustrada de romper o silêncio.

mas precisávamos dele. fico recordando a forma como as coisas se sucederam e penso que sabíamos uma da outra muito mais do que as escassas palavras pareciam ns sugerir. toda essa falta de compreensão mútua refletia perfeitamente a incompreensão interna e, sobretudo, o medo da palavra certa. verdades, bem sei, podem doer. muito além da cidade, somos estrangeiras de nós mesmas, entende? por isso aquela delicada cena fez tanto sentido: o parque. um sorriso. outro. uma pequena afeição alheia. era tudo o que precisávamos, e buscávamos, incansavelmente, na nossa louca sede pelo recomeço, pelo esquecimento. e, assim, num pacto selado através do silêncio, jamais soubemos nada muito além da superfície.

da mesma forma como pouco descobrimos a respeito daquelas cidades as quais percorríamos debaixo do guarda-chuva amarelo nos infinitos dias chuvosos. por mais que tudo fosse cinza,sempre existiria nosso próprio pedaço de sol para nos levar em segurança a mais uma catedral,residência real, centro histórico ou parque. comonaquela primeira vez. i don't have an umbrella,may i go with you? e tudo era tão óbvio.

tudo foi tão óbvio durante a euforia do verão, as noites mal dormidas e a afeição delicada. sequer ousaríamos pensar que haveria um fim, era como se as cidades européias fossem se suceder infinitamente e nós permaneceríamos unidas pela fuga até que. e aí não havia nada; a única continuação era, justamente, a falta dela. existir, naquele tempo, era como sonhar acordada.

e eu fingira até o último instante não estar notando um lento e degradante despertar. primeiro a falta de dinheiro, que solucionamos dormindo em espeluncas cada vez piores, o que pouco importava enquanto houvesse o abraço dela durante a noite. de repente, no entanto, começamos a sentir tantas dores por causa dos colchões que já não nos abraçávamos. logo e seguida, o guarda-chuva amarelo ganhou um pequeno furo. e outro. e outro.

quando nos demos conta, precisávamos discutir a respeito de que faríamos durante o dia ou brigávamos pelo cobertor puído de nossas espeluncas. não era mais possíel fugir, obviamente. ainda restavam dois dias na cidade em que estávamos, os quais se passaram de maneira absolutamente hostil. acho que sempre fomos demasiado óbvias para nós mesmas, sabíamos exatamente o que aqueles dias dolorosos representavam.

discordamos quando precisamos escolher uma nova cidade, naturalmente. aquela fora a primeira - e única - vez, mas não houve espanto algum. concordamos com a diferença e aceitamos com uma forçada naturalidade e um pedido de desculpas velado. apenas seguimos, ainda que dessa vez eu retornasse ao início e ela escolhesse outro destino. na última noite, esboçamos um abraço final, que me foi ainda mais doloroso por dentro do que por toda a dor nas costas acumulada. precisávamos, a todo custo, daquele suave despedida.

quando acordei no dia seguinte, ela já estava de saída. mochila nas costas e o meu guarda-chuva amarelo pendurado da mesma forma como eu costumava colocá-lo na minha mochila. foi assim a última vez em que a vi. seus cabelos loiros presos num rabo-de-cavalo deixando um pedaço de sua nuca descoberta, de forma a me lembrar terrivelmente seu cheiro específico que me confortava nos passeios pelas cidades debaixo do guarda-chuva, por mais que o mundo parecesse cair sobre as nossas cabeças. e caía.

sempre quis saber exatamente o que passou pela cabeça dela no exato instante em que fechou a porta, pegou o trem, ou algo insignificante que equivalha a esses momentos figurativos das emoções. pensávamos estar fazendo exatamente o que devíamos, mas será que, ainda assim, ela ousaria imaginar o contrário? me pergunto, também, por onde andará nesses dias frios e desesperançosos; teria continuado mesmo até seu próximo destino? vezenquando ainda acredito na nossa semelhança e penso que não pode estar muito diferente de mim. então me arrependo e torço para que esteja melhor.

quanto a mim, voltei naquele dia à cidade inicial, comprei um novo guarda-chuva, embora não mais chovesse, e me dirigi ao ponto de início de tudo; o mesmo banco. com a cena reconstruída, esperei por um tempo insuportável o surgimento de um novo sorriso, um novo pedido. ali estava, inocente, achando que algo encontraria. não seria, no entanto, ela.

jamais fizemos juras de amor-eterno ou qualquer coisa que demandasse palavras grandes, nem sequer promessas de manter contato depois daquele tempo, do nosso tempo. mas ali, sentada naquele banco, notei que o meu silêncio era o máximo de mim que eu poderia oferecer a alguém; e ele era todo dela. por mais que nossa fantasia houvesse passado, agora eu tinha certeza de que ela era minha realidade. fosse para trazer um pouquinho de sol para os dias frios ou simplesmente sorrir aquele primeiro sorriso. me dei conta de que sempre seríamos nós, por mais que não houvesse as consecutivas cidades européias ou sequer as caminhadas. precisávamos apenas estar, ainda que estáticas. como eu, infelizmente, no momento em que ela se foi. sem um
movimento, sem uma palavra, seguindo nosso pacto silencios. restou, no entanto, o pensamento: may i come with you? e tudo era tão óbvio.